Um dos maiores encantos do vinho é aquilo que tantas vezes apelidamos de “complexidade” aromática ou não fosse ele possuir mais de 500 compostos voláteis que, no seu conjunto, definem os seus aromas característicos.
São esses compostos que, estimulando as células recetoras do olfato, nos transmitem ao cérebro os estímulos que processamos, transformando-os em sensações que traduzimos num determinado e particular odor (ex: fruta vermelha, especiarias, cacau, folhas secas, sílex). Tantas vezes somos confrontados por consumidores que nos dizem que, no vinho, apenas detetam o aroma… a vinho, pois claro! Mas será mesmo assim?
A capacidade de identificarmos aromas particulares, em maior ou menor escala, vem da experiência, da prática, da concentração e, sobretudo, das nossas maiores ou menores memórias sensoriais que se “armazenam” no cérebro e identificam os aromas que nos surgem no vinho. Mas quando diversos compostos estão presentes no vinho, a perceção global que temos mostra-se logo diferente do que seria a perceção de cada um daqueles compostos de modo isolado. Daí que a tarefa de descrever os aromas presentes no vinho tenha tanto de bela como subjetiva, variando de indivíduo para indivíduo, tendo em conta a sua “biblioteca” de aromas que se traduz também nas suas vivências, experiências e até geografias que habita.
E de que modo surge a enorme diversidade dos aromas que perfumam o vinho? Neste campo podemos fazer subdivisões entre os aromas primários, secundários e terciários.
Os aromas primários são aqueles que, naturalmente, emanam da uva e surgem após decorrer o processo de fermentação. Aqui a predominância aromática são a fruta e as flores, com variantes que vão dos frutos vermelhos ou negros, para a fruta mais verde, fruta cítrica, tropical ou as nuances mais florais, herbáceas, especiarias ou, nalguns casos também, a perceção mineral, como o sílex ou pedra molhada.
Os aromas secundários são já fruto das opções de vinificação (fermentação e estágio em madeira ou inox, uso de madeira nova ou usada), e remetem-nos para os tostados, fumados, baunilha, cravinho, café, chocolate ou resina.
Nos terciários, é o processo de evolução em barrica ou garrafa que lhe define os aromas. Neste caso, há uma degradação dos aromas da fruta fresca, surgindo, por força da evolução os cheiros de fruta seca, em compota, fruta cozida, podendo, igualmente, surgir, com o decurso do tempo, os aromas avelã, amêndoa, couro ou químicas e iodadas.
Outra questão cativante reporta-se à forma como os vinhos também conseguem assimilar, tendo em conta a especificidade de certas castas, aromas que definem e caracterizam uma região. No Dão, onde produzimos os vinhos Casa de Santar e Vinha do Contador, conseguimos percecionar a identidade da região e da sublimação das castas nos nossos vinhos. Touriga Nacional, Alfrocheiro ou Jaen, nas tintas, Encruzado, Malvasia Fina ou Cerceal Branco, transmitem aos vinhos aromas que se confundem com o “terroir” da região, revelando, nos tintos, os aromas das frutas silvestres, da caruma das florestas, das nuances terrosas, transportando-nos para odores que exalam dos solos, do arvoredo, e nos brancos, para a delicadeza floral e frescura mineral, que nos leva para os campos de flores silvestres ou para a dureza granítica.
Memorizar e interpretar aromas é uma aventura que nos convida a uma viagem pelo maravilhoso mundo das regiões vitivinícolas portuguesas, em descoberta do património único das mais de duas centenas de castas portuguesas que moldam a singularidade dos nossos vinhos.